Não sei se alguém ainda lê a merda desse blog. Mas, preciso deixar algo atualizado.
No dia oito de julho de 2004, eu publiquei as duas últimas cenas da peça que escrevi com o título inicial de "Lendo Manuel Bandeira sob a chuva", mas que acabou por se chamar "Faltou um Elvis no nosso Rock n Roll".
Enfim, há quase dois anos não gosto da solução final que escrevi. Naquele julho de 2004, o personagem principal, Pedro, fugia para a França para não encarar a namorada Júlia e o amor nascente pela ex, Clara. Sempre achei o final irreal e demais forçado. A França nunca é a opção de ninguém que tem um novo amor pela frente ou quer acabar com uma namorada. Nem a pior das comédias românticas de Hollywood escolhe solução tão boçal como essa.
Hoje decidi que daria uma nova solução. Mudei o nome dos personagens, manti apenas o de Pedro. Clara virou Roberta e Júlia, Melissa. Cortei a cena em que Pedro e Roberta (Clara) praticamente se declaram porque vejo a personagem de Roberta como o fio da meada, é a amiga, e amigas não podem ser vistas como solução amorosa (talvez para outra trama). Usei a mesma entrada da última cena e desenvolvi um Pedro cheio de dúvidas mas demonstrando intenção de continuar o romance com a namorada. A cena acaba com uma Melissa (Júlia) caminhando na contramão de Pedro. O que ele vê como solução, ela encara como problema. E o resultado foi o abaixo.
Cena Nove Pedro e Melissa estão jantando a luz de velasPedro: Eu gosto de você, mas às vezes eu pareço um idiota. Sempre tentando parecer inteligente, quando, na verdade, te trato mal. Depois de tanto tempo, as coisas tornaram-se banais, só que não deveriam ser assim. Parece que não estamos mais sintonizados. Puta que pariu, estou de saco cheio de sair à rua acuado e achar que a minha vida não vai dar certo, ou que minha vida é um seriado e que no final tudo vai dar certo: viverei num mar de rosas, imerso num verdadeiro romance com Frank Sinatra de trilha sonora. Mas as coisas na vida real não são assim.
Não sei como posso ficar contigo se eu odeio suas palavras mal tratadas de vinho barato numa noite de sexo. Ao mesmo tempo não sei ficar sem o seu mal-humor, sem sua reclamação sobre meus palavrões que uso para amaldiçoar um ataque mal concluído, uma defesa mal feita ou um juiz safado quando assisto a um jogo do Palmeiras. Você faz falta demais sem sua imponência, sua altivez, sua maneira de deixar tudo triste e alegre ao mesmo tempo. Eu adoro o jeito que você faz da minha vida um inferno, quando estou num marasmo preguiçoso. Eu adoro o jeito que a gente trepa, eu adoro o jeito que você segura seus gritos de prazer. Eu adoro como seus olhos mudam de cor à noite. Eu adoro a maneira como uma luz artificial incide sobre sua face e destaca suas bochechas rosadas. É complicado te agüentar reclamando do cabelo e da pedicure, que sempre não apara direito suas cutículas. Mas eu adoro seu toque com as unhas feitas, cheio de carinho, paixão, ternura, um tocar lascivo, impudico, carnal.
Melissa: O que você está querendo dizer com tudo isso?
Pedro: Eu quero dizer que, em algum momento, a gente se perdeu pelo caminho da vida.
Melissa: Como assim?!?
Pedro: Estou tentando entender isso também. Não sei bem ao certo. Eu gosto de você, eu te amo, você é importante demais na minha vida para te deixar esvair-se ao vento.
Melissa: Você ficou louco? Você está pensando em acabar comigo
Pedro: Não mesmo. Não mesmo (tentando fazer-se crer em sim mesmo).
Melissa: Ta vendo só, nem você acredita em si mesmo. Pedro o que está acontecendo?
Pedro: Porra, Melissa, eu é que te pergunto o que está acontecendo. Meu Deus, estava tudo nas mil maravilhas entre nós. De repente você surta e tudo fica esquisito. Porra, tudo isso me deixou confuso e quer saber: sim, estou pensando em acabar contigo. E sabe por que? Porque se nós dois não conseguimos verbalizar a porra do que estamos sentindo um pelo outro, o que está incomodando, o que nos afeta, o que nos dá calafrio, então é porque realmente não devemos ficar juntos.
Melissa: É eu também acho. Mas sabe por que a gente deveria acabar? Porque você é um imbecil, um filho da puta arrogante e idiota.
Melissa tenta ir embora, mas Pedro agarra os braços de Melissa e não a deixa.
Pedro: Boas palavras, eu não poderia escolher melhor. Acalme-se
Melissa: Acalme-se a puta que o pariu.
Pedro: Por favor, não inclua a minha santa mãe nessa sua boca suja.
Melissa: Vai se foder.
Pedro: Melissa, eu quero te dizer uma coisa. E se você realmente continuar com raiva de mim, nós terminamos a noite e cada um de nós seguirá o caminho pré-estabelecido.
Melissa: Fala logo, então.
Pedro: Dia desses, li uma carta de um autor de peças e achei foda o texto que ele escreveu para a namorada. Era alguma coisa parecida com isso: “Em um relacionamento não tem esse negócio de mar de rosas. É tudo muito foda, foda mesmo. Porra, mas se no final do dia a gente agüentar o tranco já valeu a pena. Simples assim.”
Melissa: Simples assim?
Pedro: Acho que sim. Chegou um momento em que passei a me questionar se o dia valia a pena.
Melissa: E qual conclusão você alcançou?
Pedro: Não tenho certeza. Mas tudo me diz que estar com você vale a pena. E preciso estar ao seu lado para ter certeza.
Melissa: Como assim? Você não tem certeza? Se você não tem certeza, você é um babaca!
Pedro: Isso é bom. Não ter certeza, significa que nossas vidas não atingiram o momento da certitude planificada, da rotina previsível. Significa que estamos criando um caminho comum que se adapta às nossas necessidades.
Melissa: Isso é bonito, mas um pouco piegas... Não sei muito bem. Tenho dúvidas.
Pedro: Isso é bom, Melissa.
Melissa: Não, Pedro, não é. Entregar-se a alguém é muito bom, amar alguém é melhor ainda. Sentir que uma pessoa se importa contigo só por paixão, tesão, amor é a melhor sensação possível. E isso deixa a gente até um pouco inebriado. Por isso namorar é muito rock!!!
Pedro: Muito rock, você está louca?
Melissa: E apesar de a gente estar juntos há quase um ano, tivemos de levantar muita pedra para chegar ao rock, quer dizer, os Rolling Stones não chegaram a ser o que são se não tivesse existido um Louie Armstrong, os Sex Pistols nunca teriam existido se antes não surgissem os Beatles, The Who. Assim como o Minor Threat não existiria sem os Ramones, e o Fugazi, Beastie Boys sem o Minor Threat. O Nofx não seria nada sem o Descendents. E tudo isso não existira se um cara lá atrás que tocava um piano fuleiro ou um menestrel não tivessem tocado os primeiros acordes dissonantes do mundo.
Pedro: Ã? Para construir um relacionamento profundo com raízes sólidas somos obrigados a passar por várias etapas, assim como o rock cresceu a partir da música clássica, do jazz e do blues. É isso?
Melissa: Mais ou menos. Será que a gente queimou etapas?
Pedro: Não sei. Mas quero ter mais tempo ao seu lado para ter certeza de tudo.
Melissa: Você não acha nosso relacionamento superficial?
Pedro: Lógico que não. Ficam ambos calados por alguns minutos.
Pedro: Você acha?
Melissa: Um pouco. Será que faltou alguma coisa?
Pedro: Não sei.
Melissa: Deve ter faltado alguma coisa.
Pedro: Acho que faltou um Elvis...
Melissa: E nós insistimos demais em ouvir Wynton Marsalis...
Pedro: Mas valeu a pena.