6.11.2004

O prazo para colocar a nova cena da peça ultrapassou os três dias, mas como diz o ditado: "antes tarde do que nunca". Espero que as pessoas que haviam mantido certo interesse não o tenha perdido.

Cena oito

Deitados na cama, o casal de namorados, Pedro e Júlia, conversam.

Pedro: O que você quer que eu faça?
Júlia: Fique calado.
Pedro: O que você quer que eu faça?!
Júlia: Quero que você faça exatamente o que está fazendo agora!
Pedro: Fazer nada?!
Júlia: Insensível!
Pedro: Júlia está difícil te entender ultimamente.
Júlia: E está superdifícil fazer você me ouvir.
Pedro: Como posso te escutar se, aparentemente, você está conversando através de sinais ou desenvolveu uma técnica de transmissão de pensamentos e se esqueceu de me avisar? Olha, eu vou te avisando, não consigo ler pensamentos.
(Calados)
Pedro (trocando de canal): Está passando aquele filme mexicano que você tanto gosta, com o Gael Garcia Bernal.
Júlia: “Amores Brutos”?
Pedro: “E Sua Mãe Também”.
Júlia: Interessante. Queria ver uma briga de cachorros!
Pedro: Pois é, aparentemente sou expectador de uma briga de cadela.
Júlia: Você é um escroto!
Pedro: Dizem que é uma das minhas melhores qualidades.
Júlia: Quem disse isso?
Pedro: Ah, o Joaquim, meu porteiro, o Venceslau, irmão da Clara, o Beto, açougueiro, a Maria Helena, da faculdade, o Roberto Pitbul, a Eloísa, secretária do meu pai... (interrompido).
Júlia: Você está inventando esses nomes.
Pedro: Inclusive teve um dia que o cachorro do César falou que eu era escroto, mas acho que pode ter sido efeito de uma salsicha estragada que eu tinha comido.
Júlia: O César tem um gato.
Pedro: Está vendo só, eu realmente estava alucinado.
Júlia: Você deve estar alucinado agora.
Pedro: Te garanto que não foi salsicha que eu comi hoje!
Júlia: Você já percebeu que sempre que entramos numa discussão profunda você foge do assunto e, ultimamente, passou a me atacar?
Pedro: Você já percebeu que você só fala comigo para discutir a nossa relação? Sério, dá um tempo. Quero saber de outra coisa. Por que você não vai pegar uma cerveja para mim?
Júlia: Por que você não vai tomar no cu?
Pedro: Porque eu não gosto, prefiro cerveja.
... ...
Júlia: Parece uma coisa recorrente na sua vida: fugir de relacionamentos por se sentir ameaçado.
Pedro (sussurando): Ultimamente eu quero fugir de...
Júlia: O que você falou?
Pedro: Absolutamente uma tentativa de cair!
Júlia: Ã?! Ficou louco?
Pedro: Não. É um novo código militar que eu aprendi.
Júlia: Não inventa. Não fuja! Qual é o seu problema?
Pedro: Cara, eu não tenho problema nenhum. Acho que o problema dessa merda toda é você. Desde que eu fiz a tal da música, você tem agido estranhamente. Eu sempre faço gestos românticos e você nada...
Júlia: Gestos românticos banais que você fez para todas as mulheres que você teve.
Pedro: Foda-se, para você é especial.
Júlia: Para todas são.
Pedro (em tom meigo): Você é mais especial do que qualquer outra. Você é a minha linda!
Júlia (aborrecida, depois de um tempo para processar as informações): Qual o seu sentimento por mim?
Pedro: Começou a discutir o relacionamento de novo?
Júlia: É sério. Responda.
Pedro: Eu te amo!
Júlia: Resposta pró-forma. Quero mais honestidade.
Pedro: Como eu posso elaborar mais uma sentença extrapolando a terceiridade do “eu te amo”?
Júlia: Não sei, se você consegue colocar semiótica no meio de uma conversa, você pode elaborar suas “palavras” bonitas.
Pedro (pensa e responde): O meu amor por você é do tamanho do esterco de uma vaca depois de ela passar o dia inteiro pastando. O meu amor é do tamanho de um épico dos anos 1960 –a gente acha que acabou, mas ainda tem 1h30 de filme. O meu amor por você é do tamanho de uma segóia, do tamanho da minha fome às 4 horas da manhã quando levanto para comer um espaguete à bolognesa do dia anterior. O meu amor é do tamanho da vontade que eu sempre tenho de te beijar.
(Júlia tenta beijá-lo, mas Pedro esquiva-se levemente)
Júlia (constrangida): Segura a minha mão?
Pedro: Eu estou segurando.

Fim da cena oito.