5.21.2004

Cena cinco

Júlia: Sabe, eu queria entender o que se passa na cabeça do Pedro. Eu queria por um momento ganhar o dom de ler pensamentos das pessoas, quer dizer, só do Pedro e só por alguns momentos. Acho que só assim eu o entenderia. Eu sei que é difícil manter um relacionamento, mas será que ele sabe? Caralho, mas será que eu não estou cobrando demais dele?
Lógico que não. Em algum momento ele tem que entender. Já faz um ano que a gente está junto e as coisas não parecem evoluir. Porra, a paixão é foda e o calor entre eu e ele é incrível. Eu deveria entender que ele gosta da sensação de estar apaixonado e extravasar todos os seus sentidos os direcionando para mim. O bom é que ele sabe ser comedido, nunca me senti sufocada ao lado dele ou por suas breguices.
A minha confusão não é em relação a o que eu sinto por ele, mas o que ele sente por mim e o que isso representará ao nosso futuro. Não estou querendo me imaginar com ele daqui 10 anos... (Ah vai isso seria maravilhoso...). Ele é um bosta, o cara mais volátil que eu conheço.
(Toca o interfone)
Júlia: Oi seu Jorge. Ah ok. Pode mandar subir.
Júlia rapidamente corre ao banheiro para escovar os dentes, lavar a cara e pentear os cabelos. Pedro chega com uma pizza embaixo do braço e tenta beijar Júlia, mas ela discretamente afasta seu rosto.
Pedro: Alguém pediu pizza? (Deixa a pizza em cima da mesa)
Júlia: Não estou com fome. O que você veio fazer aqui?
Pedro: Te ver. Preciso de um motivo?
Júlia: É sempre bom.
Pedro (começando a ficar com raiva): Qual o problema com você?
Júlia (com ironia): Problema? Nenhum.
Pedro: Vai ficar com ironiazinha babaca para cima de mim agora? Qual é o seu problema? Por que você foi embora daquele jeito? Eu sei que eu devo ter feito alguma merda e por isso eu peço desculpas.
Júlia: Desculpas sem saber a razão são vazias.
Pedro: Então conta o que eu fiz de errado.
Júlia: Você não fez nada de errado. Aliás, errado nessa história não tem ninguém. Melhor, acho que, na verdade, eu sou a inconveniente nessa história. Você... você... Pedro vai embora.
Pedro: O que está acontecendo entre nós? Eu quero saber qual foi o problema, a pedra, o cavalo que atravessou a estrada enquanto nós passávamos?
Júlia: Cavalo? Que cavalo? Você e suas frases “bem construídas”. Enfim, não quero discutir.
Pedro (enraivecido): Mas eu quero. Caralho, vamos resolver essa merda de problema que só na sua cabeça cheia de merda tem.
Júlia (gritando): Pedro, VAI EMBORA!!!!
Os dois ficam em silêncio.
Júlia: É sério, acho melhor você ir embora.
Pedro: Para nunca mais voltar?
Júlia: Você gosta de um melodrama, né?
Pedro: Adoro, principalmente daqueles filmes americanos em que o galã descobre faltando dois minutos para o final que o verdadeiro amor de sua vida é a vizinha feia que mora ao lado, mas por vicissitudes do cotidiano ele está há quilômetros de distância e tem que atravessar toda a cidade embaixo de chuva para dizer que a ama. E a gente nunca sabe se ele vai conseguir se declarar porque a garota está se despedindo do pai para ir fazer faculdade em outro estado. No final, tudo dá certo e eles se beijam loucamente sob a chuva. E quando o filme é bom mesmo, a garota está com uma blusinha branca que dá para ver os peitinhos dela. Adoro “Dez coisas que eu odeio em você.”
Júlia: “Dez coisas que eu odeio em você” não tem chuva, não tem paixões de última hora e o enredo é totalmente diferente do descrito por você.
Pedro: E eu chorei três vezes no filme.
Júlia: Eu sei. A gente assistiu juntos, não se lembra? Todas as cinco vezes.
Pedro: Adoro a protagonista, como é o nome dela?
Júlia: Julia Stiles.
Pedro: Gatinha, é por isso que eu te adoro!
Júlia: Pedro, vá embora!
Pedro: Não vou até você me explicar o que está acontecendo.
Júlia: Não é nada, só preciso de um tempo para pensar.
Pedro: Você ainda gosta de mim, certo?
Júlia: Pedro... (olha para baixo) vai embora.
Pedro: Mas acabou de começar a chover.

Fim da cena cinco

5.18.2004

Cena quatro

Pedro: Clara, desce aqui, preciso conversar com você.
Clara: Não vou descer, suba você.
Pedro: Mas sua mãe me odeia e não quero encontrar a bruaca.
Clara: Respeite à minha mãe. E ela não está. Suba! Eu estou fazendo uma coisinha para comer.
... ... ...
Clara (depois de atender à porta): O que você quer?
Pedro: A gente precisa conversar, existe um mal-entendido. Nossa, que cheiro bom, o que você está cozinhando?
Clara: Strogonoff.
Pedro: Foi de propósito, né? A extrapolação de seu sexto sentido resultou na convicção de minha visita, por isso inevitável tornou-se o preparo de meu prato favorito.
Clara: Arrogante. Olha, senta aí, a gente almoça e conversa.
Pedro: Beleza.
Pedro senta-se no sofá, coloca os pés na mesa de centro e começa a trocar os canais da televisão, enquanto Clara segue para a cozinha.
Pedro: Meu bem, me traz uma cerveja!
Clara: Pedro, vai tomar no cu!
Pedro: Por isso que a gente nunca deu certo, você nunca quis fazer as coisas que eu gosto.
Clara: Pedro, vai tomar no cu!
Ela volta da cozinha com uma travessa de strogonoff numa mão e a panela de arroz na outra.
Clara: Vai lá na cozinha e traz a batata palha.
Pedro: Beleza.
Pedro volta com a comida e ironiza: Está vendo só. Para ti, tudo faço, cara mia!
Clara: Babaca.
Eles sentam-se à mesa e começam a comer.
Clara: O que você tinha a falar?
Pedro: Pois é, acho que você já está sabendo do imbróglio com a Júlia. Eu queria te explicar.
Clara: Sim, estou sabendo. E não precisa explicar nada. Você não fez nada de errado.
Pedro: Sim, fiz. E quero acabar com os desentendimentos. Clara, meu bem, eu não estou apaixonado por você.
Clara: O que? Você ficou louco? Do que você está falando.
Pedro: Minha linda.
Clara (interrompendo): Odeio quando você me chama de minha linda.
Pedro (bruscamente): Como eu ia dizendo, eu sei que você acha que eu voltei a me apaixonar por você, mas isso não é verdade. Eu estou na da Júlia.
Clara: De onde surgiu isso? Quem te falou um absurdo desse, que eu estou apaixonada por você?
Pedro: Eu pressinto essas coisas!
Clara: Com o seu cu, né?
Pedro: Olha, eu usei o Manuel Bandeira na música porque eu achava que a Júlia gostava dele.
Clara: Certo, e ela gosta. Qual o problema?
Pedro: Mas, na verdade, quem gosta é.... Como assim?
Clara: O que?
Pedro: Ela gosta?
Clara: De quem?
Pedro: Do Manuel Bandeira.
Clara: Claro que gosta, seu idiota. E o que isso tem a ver com eu achar que você voltou a se “apaixonar” por mim?
Pedro: Nossa, segunda merda.Esqueça.
Clara: Esqueça, nada. Explique-se.
Pedro: Meu Deus, por onde começo?
Clara: Pelo início eu me satisfaria.
Pedro: Lembra quando eu te dei a porra do livro do Manuel Bandeira de aniversário?
Clara: Lembro, adorei. É o meu livro de cabeceira até hoje.
Pedro: Foi uma escolha a dedo. Eu lembro nos pormenores do brilho nos seus olhos e o espanto de sua face.
Clara: Óbvio, a gente tinha saído algumas poucas vezes e você já aparece com um presente.
Pedro: Um não, dois. Aliás, você me empresta o Smashing Pumpkins?
Clara: Está com o César.
Pedro: Você está com esse cara?! Puta que pariu, Clara. Ele é um babaca. Odeio ele.
Clara: Pelo menos, ele tem educação e minha mãe o adora.
Pedro: Mais um motivo para eu deprezá-lo. E você não merece um cara como ele. Você é linda e tem um potencial enorme, deveria buscar pessoas do seu nível.
Clara: Pedro, a gente não vai transar.
Pedro: O que?!!? Ficou louca. Eu não quero transar com você.
Clara: A Júlia é a minha melhor amiga, não seria certo com ela.
Pedro: E comigo? Seria demais de errado comigo também. Nem estou com vontade.
... ...
Clara: Pedro?
Pedro: Ã?
Clara: Você me acha sexy?
Pedro: Com absolutíssima certeza. Como eu já disse, você é uma das pessoas mais lindas e sexy que eu conheço, qualquer Zé Mané que consiga ficar contigo pode se considerar um bastardo sortudo. Por isso você não merece aquele babaca.
Clara: Mas ele gosta tanto de mim.
Pedro: Sorte dele, azar seu. Clara, vai por mim, você faz melhor.
Clara: Bom, mas enfim, e a explicação que você ainda está me devendo e continua me enrolando.
Pedro: Ué, mas a gente não ia transar?
Clara fica em silêncio atônita.
Pedro: Brincadeira!!!! Enfim, o começo da história é o seguinte: eu sabia que a Júlia tinha te contado sobre a música que eu fiz para ela e você achou que minha paixão subconsciente por você havia voltado.
Clara: Meu querido, não estou entendendo absolutamente nada. Com calma, por favor.
Pedro: A Júlia ficou brava com alguma coisa que eu não sei o que é. Conversando comigo mesmo, eu cheguei a conclusão que ela tinha ficado fudida com o fato de eu ter usado o Manuel Bandeira na música porque, eu achei, a fez lembrar de quando eu e você estávamos juntos.
Clara: Conversando com você mesmo? Enlouqueceu?
Pedro: Pois é. Na minha cabeça, ela tinha te contado isso e você chegou à conclusão de que meus sentimentos por ti haviam voltado!
Clara: E voltaram?
Pedro: Não. Eu gosto da Júlia e espero que ela ainda goste de mim.
Clara: Pedro, você não quer transar?
Pedro fica atônito.
Clara: Idiota. Cai na mesma brincadeira. A Júlia não está brava com você.
Pedro: Qual foi o problema, então?
Clara: Eu não sei, não ficou muito claro. Acho que vocês precisam conversar.
Pedro: É, acho que sim. Vou lá agora.
Pedro levanta-se rapidamente e sai avoado para a porta.
Clara: Pedro,acaba de comer pelo menos.
Pedro: Se eu acabar de comer, meu coração pode se esvair desanimado.
Clara: Você gosta mesmo ela?
Pedro: Da Júlia?

Fim da cena quatro.

5.16.2004

Cena três., Lendo Manuel Bandeira sob chuva

Pedro (Assistindo a um programa de televisão): Mulheres, entendê-las? Será que a Júlia ainda gosta de mim? Foi tão estranho ela ter saído de repente de casa. O que eu fiz de errado? Aposto que ela estava naqueles dias. Babaca! Lógico que não, a gente tinha acabado de transar. Pedro, às vezes você é muito burro mesmo.
(Nossa, esses caras que fazem comédia de improviso são muito bons. Eu não teria capacidade e ser tão espirituoso como eles).
Acho que a assustei com a música. Eu sabia que deveria ter tido o acompanhamento do violão. Quando a gente ouve música nunca presta atenção nas letras, só quando a gente ouve essas músicas sertanejas ou a bosta do Legião Urbana.
O que deu nela fugir daquele jeito?
Tomou tanto tempo escrever uma merda de letra daquele jeito. Caralho, até fui atrás do Manuel Bandeira que ela gosta tanto. Ela gosta de Manuel Bandeira, né? Claro, porra! Eu até dei um livro do Manuel Bandeira para ela de aniversário. Lembro como se fosse hoje, a gente no estacionamento do prédio dela, eu entreguei um CD do Smashing Pumpkins e um livro do Manuel Bandeira. Caralho, mas isso faz um tempão, foi no começo do nosso namoro. Há quanto tempo a gente namora? Nossa, deve fazer uns cinco anos. Puta que pariu, como você é exagerado. Em 12 de dezembro fará um ano. Espera aí, mas esse fato aconteceu há mais tempo. E o prédio da Júlia não tem estacionamento... ... CARALHO, Eu dei a porra do Manuel Bandeira para a CLARA quando a gente ficou juntos. PUTA QUE PARIU, eu sou muito burro. Pronto, foi isso. Ela ficou puta da vida comigo porque eu fiz uma citação que a lembrou de quando eu e a Clara saíamos.
Preciso ligar para ela, melhor não. Ela não vai querer falar comigo e é muito humilhante implorar para alguém querer falar com você. Preciso consertar isso de algum jeito. Vou ligar para a Clara.
(E aproveitar para pedir emprestado o CD do Smashing Pumpkins).

Pedro: Clara?
Clara: O que você quer?
Júlia: Quem é?
Pedro: A Júlia está com você?
Clara: Fala logo o que você quer?
Pedro: Clara, eu caguei, fiz uma merda imensa e a Júlia está puta da vida comigo e quero consertar.
Clara: Me liga daqui a pouco, não posso falar agora.
Pedro: Não, espera. É rápido.
Clara: Não posso falar agora!
Pedro: Mas Clara?
... ...
Pedro: Puta que pariu, a filha da puta desligou na minha cara. Pronto, aposto que ela também está fula comigo também. Ela deve estar achando que eu voltei a me apaixonar por ela, e ter usado Manuel Bandeira numa música para a Júlia foi uma manifestação de meu subconsciente, um sentimento prescrito que foi aguçado momentaneamente e revelou-se como a verdadeira paixão que por ela há muito tenho escondido. Caralho, vou ter de me explicar para a bendita Clara também. Realmente não deveria ter feito uma música para a Júlia.

Fim da cena três