5.18.2004

Cena quatro

Pedro: Clara, desce aqui, preciso conversar com você.
Clara: Não vou descer, suba você.
Pedro: Mas sua mãe me odeia e não quero encontrar a bruaca.
Clara: Respeite à minha mãe. E ela não está. Suba! Eu estou fazendo uma coisinha para comer.
... ... ...
Clara (depois de atender à porta): O que você quer?
Pedro: A gente precisa conversar, existe um mal-entendido. Nossa, que cheiro bom, o que você está cozinhando?
Clara: Strogonoff.
Pedro: Foi de propósito, né? A extrapolação de seu sexto sentido resultou na convicção de minha visita, por isso inevitável tornou-se o preparo de meu prato favorito.
Clara: Arrogante. Olha, senta aí, a gente almoça e conversa.
Pedro: Beleza.
Pedro senta-se no sofá, coloca os pés na mesa de centro e começa a trocar os canais da televisão, enquanto Clara segue para a cozinha.
Pedro: Meu bem, me traz uma cerveja!
Clara: Pedro, vai tomar no cu!
Pedro: Por isso que a gente nunca deu certo, você nunca quis fazer as coisas que eu gosto.
Clara: Pedro, vai tomar no cu!
Ela volta da cozinha com uma travessa de strogonoff numa mão e a panela de arroz na outra.
Clara: Vai lá na cozinha e traz a batata palha.
Pedro: Beleza.
Pedro volta com a comida e ironiza: Está vendo só. Para ti, tudo faço, cara mia!
Clara: Babaca.
Eles sentam-se à mesa e começam a comer.
Clara: O que você tinha a falar?
Pedro: Pois é, acho que você já está sabendo do imbróglio com a Júlia. Eu queria te explicar.
Clara: Sim, estou sabendo. E não precisa explicar nada. Você não fez nada de errado.
Pedro: Sim, fiz. E quero acabar com os desentendimentos. Clara, meu bem, eu não estou apaixonado por você.
Clara: O que? Você ficou louco? Do que você está falando.
Pedro: Minha linda.
Clara (interrompendo): Odeio quando você me chama de minha linda.
Pedro (bruscamente): Como eu ia dizendo, eu sei que você acha que eu voltei a me apaixonar por você, mas isso não é verdade. Eu estou na da Júlia.
Clara: De onde surgiu isso? Quem te falou um absurdo desse, que eu estou apaixonada por você?
Pedro: Eu pressinto essas coisas!
Clara: Com o seu cu, né?
Pedro: Olha, eu usei o Manuel Bandeira na música porque eu achava que a Júlia gostava dele.
Clara: Certo, e ela gosta. Qual o problema?
Pedro: Mas, na verdade, quem gosta é.... Como assim?
Clara: O que?
Pedro: Ela gosta?
Clara: De quem?
Pedro: Do Manuel Bandeira.
Clara: Claro que gosta, seu idiota. E o que isso tem a ver com eu achar que você voltou a se “apaixonar” por mim?
Pedro: Nossa, segunda merda.Esqueça.
Clara: Esqueça, nada. Explique-se.
Pedro: Meu Deus, por onde começo?
Clara: Pelo início eu me satisfaria.
Pedro: Lembra quando eu te dei a porra do livro do Manuel Bandeira de aniversário?
Clara: Lembro, adorei. É o meu livro de cabeceira até hoje.
Pedro: Foi uma escolha a dedo. Eu lembro nos pormenores do brilho nos seus olhos e o espanto de sua face.
Clara: Óbvio, a gente tinha saído algumas poucas vezes e você já aparece com um presente.
Pedro: Um não, dois. Aliás, você me empresta o Smashing Pumpkins?
Clara: Está com o César.
Pedro: Você está com esse cara?! Puta que pariu, Clara. Ele é um babaca. Odeio ele.
Clara: Pelo menos, ele tem educação e minha mãe o adora.
Pedro: Mais um motivo para eu deprezá-lo. E você não merece um cara como ele. Você é linda e tem um potencial enorme, deveria buscar pessoas do seu nível.
Clara: Pedro, a gente não vai transar.
Pedro: O que?!!? Ficou louca. Eu não quero transar com você.
Clara: A Júlia é a minha melhor amiga, não seria certo com ela.
Pedro: E comigo? Seria demais de errado comigo também. Nem estou com vontade.
... ...
Clara: Pedro?
Pedro: Ã?
Clara: Você me acha sexy?
Pedro: Com absolutíssima certeza. Como eu já disse, você é uma das pessoas mais lindas e sexy que eu conheço, qualquer Zé Mané que consiga ficar contigo pode se considerar um bastardo sortudo. Por isso você não merece aquele babaca.
Clara: Mas ele gosta tanto de mim.
Pedro: Sorte dele, azar seu. Clara, vai por mim, você faz melhor.
Clara: Bom, mas enfim, e a explicação que você ainda está me devendo e continua me enrolando.
Pedro: Ué, mas a gente não ia transar?
Clara fica em silêncio atônita.
Pedro: Brincadeira!!!! Enfim, o começo da história é o seguinte: eu sabia que a Júlia tinha te contado sobre a música que eu fiz para ela e você achou que minha paixão subconsciente por você havia voltado.
Clara: Meu querido, não estou entendendo absolutamente nada. Com calma, por favor.
Pedro: A Júlia ficou brava com alguma coisa que eu não sei o que é. Conversando comigo mesmo, eu cheguei a conclusão que ela tinha ficado fudida com o fato de eu ter usado o Manuel Bandeira na música porque, eu achei, a fez lembrar de quando eu e você estávamos juntos.
Clara: Conversando com você mesmo? Enlouqueceu?
Pedro: Pois é. Na minha cabeça, ela tinha te contado isso e você chegou à conclusão de que meus sentimentos por ti haviam voltado!
Clara: E voltaram?
Pedro: Não. Eu gosto da Júlia e espero que ela ainda goste de mim.
Clara: Pedro, você não quer transar?
Pedro fica atônito.
Clara: Idiota. Cai na mesma brincadeira. A Júlia não está brava com você.
Pedro: Qual foi o problema, então?
Clara: Eu não sei, não ficou muito claro. Acho que vocês precisam conversar.
Pedro: É, acho que sim. Vou lá agora.
Pedro levanta-se rapidamente e sai avoado para a porta.
Clara: Pedro,acaba de comer pelo menos.
Pedro: Se eu acabar de comer, meu coração pode se esvair desanimado.
Clara: Você gosta mesmo ela?
Pedro: Da Júlia?

Fim da cena quatro.

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