5.25.2004

Cena seis

No quarto de Júlia, ela e a amiga Clara conversam.
Júlia: Eu estou cansada de ter de resolver os problemas para ele. Criamos um padrão em nosso relacionamento em que sempre que há um problema, o Pedro corre para os meus braços para eu resolver. Eu cansei disso. Acho que se quisermos avançar nesse relacionamento, ele terá de descobrir sozinho o que está acontecendo.
Clara: Júlia, o que você quer da vida?
Júlia: Ã?!
Clara: É você me entendeu. Qual caminho você quer traçar com o Pedro ou sozinha ou com qualquer Zé Mané ou qualquer Maria Manuela para desenvolver sua vida?
Júlia: Baixou a Zíbia Gasparetto em você, agora? Sei lá, Clara, eu estou de saco cheio do Pedro. Ele é um moleque de 24 anos que não quer responsabilidade nenhuma.
Clara: Você está sendo injusta com ele. O Pedro é um dos caras mais responsáveis que eu conheço e, em se tratando de vida profissional, ele é a pessoa mais ambiciosa de todos os tempos.
Júlia: Legal. Resultado: eu o assisto se desenvolver profissionalmente enquanto continua um adolescente em fase espinhosa durante nossas transas. Sabe para onde ele me levou na semana passada? Para assistir a um campeonato de Skate. E eu lá me importo que um tal de Bob Não-Sei-Das-Quantas vai competir.
Clara: Burnquist.
Júlia: O que?
Clara: Bob Burnquist, o skatista profissional.
Júlia: Esse mesmo. Enfim, eu quero mais que isso.
Clara: Pouco antes de vocês brigarem, ele cozinhou para você, com velas e tudo.
Júlia: Pouco antes de a gente brigar, a gente estava transando.
Clara: E foi bom?
Júlia: O que?
Clara: A comida.
Júlia: Qual delas?
Clara: Nossa menina, que mente suja.
Júlia: Desculpa, não poderia perder a oportunidade. Estava ótima!!
Clara: A transa?
Júlia: Não, essa foi mais ou menos. Você sabe que o Pedro é um excelente chef.
Clara: Ele quem me deu uns toques na cozinha. Sabe, eu li na VIP...
Júlia (interrompendo): Espera um pouco, você está lendo VIP.
Clara: Estava no banheiro do César.
Júlia: Aliás, quando você vai largar esse babaca?
Clara: Não me enche você também, vamos voltar ao assunto original. Eu li na VIP que os homens agora estão ficando mais confiantes e trocando suas namoradas por modelos?
Júlia: E você acredita na VIP?
Clara: E você acredita na Nova?
Júlia: Bem colocado. Mas isso não importa, o Pedro não vai me trocar por uma magrela. Até porque no quesito beleza ele é 6,5.
Clara: Esnobe. Eu acho ele um gato.
Júlia: Na transa 7,5.
Clara: Na cozinha 9,5
Júlia: Me agradando 10. Eu gosto para caralho daquele filho da puta, daquele crianção, daquele... Deixa para lá, eu gosto dele e ponto.
Clara: Então qual é o problema?
Júlia: O problema é que eu não tenho mais 19 anos querendo um namorico de portão em que meu namorado compõe uma música para mim depois de a gente transar, me leva no shopping center para tomar sorvete, passa o final de semana em casa e leva o videogame, assina canal pornô. Caramba, eu tenho 25 anos.
Clara: E como é o namoro quando a gente tem 25 anos?
Júlia: Sei lá como é. É diferente... Como se você soubesse.
Clara: Não faço idéia e não me preocupo com isso. Júlia, a gente simplesmente vive a vida. A gente não pode cobrar atitudes simplesmente por acharmos que elas não se enquadram em nossa faixa etária. O que estabelece que com 19 anos temos que ir ao shopping, com 25 vamos ao cinema (que muitas vezes fica num shopping), com 35 a gente conversa com outras mães na porta da escolinha dos filhos, com 45 a gente fala bem dos filhos no trabalho? Nada. Eu, por exemplo, quero chegar aos 45 anos assistindo Friends.
Júlia: Friends acabou.
Clara: Não as reprises. Eu adoro o Chandler.
Júlia: E eu adoro o Ross, ele é tão fofo. Sabe, eu queria ter um professor igualzinho a ele. Nossa, ele é tão inteligente e engraçado.
Clara (depois de um breve silêncio): Júlia, quando a gente tinha 19 anos, nós achávamos o George Clooney um gato e queríamos ter ele como instrutor da auto-escola.
Júlia: É verdade. O George Clooney é um gato também, se ele tivesse sido meu instrutor, eu nunca teria tirado minha habilitação.
Clara: Júlia, foco, meu amor. O que eu quero dizer que ambas estamos com 25 anos e discutindo sobre o mesmo assunto há 6 anos.
Clara: Qual a sua banda favorita agora?
Júlia: Billie Holyday!
Clara: Qual foi a banda que mudou sua vida?
Júlia: Sunny Day Real State. Ouço Seven até hoje.
Clara: Só porque era o hit... Mas diga-me, esse pôster está aí ainda porque você continua a gostar deles, certo?
Júlia: Lógico. (um breve momento de silêncio). Tá entendi, você tem razão. (novo breve momento de silêncio).
Afinal, você concorda ou não que o Palocci é o melhor ministro do governo Lula?
Clara: Olha, depende. Ele tem uma equipe muito boa, o Joaquim Levy é um ótimo secretário do Tesouro. Eu particularmente gosto do estilo do Celso Amorim.
Júlia: Ah mas ele está fora. A política externa brasileira é absolutamente inequívoca.

Fim da cena seis

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